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Posso ter animal na minha unidade condominial, mesmo que a convenção de condomínio proíba?

R: A permissão para ter ou não de animal de estimação na unidade condominial é possivelmente uma das principais dúvidas e causas de conflitos na vida condominial. E a resposta não é tão simples quanto parece; muito pelo contrário, a complexidade de temas jurídicos que envolvem a simples manutenção do animal é enorme, e é por isso que a resposta correta sempre dependerá do caso concreto.

Isso porque, temos que a Convenção de Condomínio e o Regimento Interno devem respeitar obrigatoriamente normas mais “fortes”, dentre elas podemos destacar algumas:

Art. 5ª, II da CF = “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”.

Art. 5ª, XXII da CF = “É garantido o direito de propriedade”.

Art. 1.355, I do CC/02 = “usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;”.

Art. 1336, IV do CC/02 = “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.”.

Art. 1.228 caput, §§1º e 2ª do CC/02 = “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.”.

Art. 1.277 do CC/02 = “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”.

Art. 19 da Lei 4.591/64 = Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.”.

Art. 10, III da Lei 4.591/64 = “destinar a unidade a utilização diversa de finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos;”.

Art. 1º da Lei 11.126/05 = “É assegurado à pessoa portadora de deficiência visual usuária de cão-guia o direito de ingressar e permanecer com o animal nos veículos e nos estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo, desde que observadas as condições impostas por esta Lei.”.

Outrossim, não podemos deixar de informar que há legislação especifica sobre a manutenção de animais silvestres e outros que podem ser obtidas por intermédio do site do IBAMA (veja aqui) dentre outras leis vigentes.

Destarte, com lastro em alguns dos inúmeros dispositivos legais que podem ser socorridos quando da análise de um caso específico, podemos considerar como certa apenas duas situações: a) a manutenção de cão guia será sempre permitida e b) nunca poderá ser permitida a manutenção de animais que tenham o comércio e a posse proibida por normas específicas; em todos os demais casos a situação dependerá do caso concreto.

Isso porque, por mais que a Convenção venha a proibir ou até mesmo permitir a posse de animais de estimação na unidade condominial sua interpretação não pode ser analisada de forma isolada, tampouco de forma genérica.

Por exemplo, não é legítimo restringir a manutenção de animais simplesmente pelo seu porte, pois há cães considerados de pequeno porte que possuem contumaz desejo de latir e outros de espécies maiores que dificilmente latem, e até mesmo o canto de uma ave pode ser algo extremamente lesivo para o sossego dos demais vizinhos.

E, ainda quando permitido, algumas convenções e regimentos impõe regras para manutenção extremamente excessiva e ilegal, por exemplo, obrigar que os todos os cães usem focinheira é abusivo, vez que há norma, por exemplo, no Estado de São Paulo, delimitando quais as raças caninas que devem utilizar tal item de segurança (Decreto nº 48.533/04), portanto não há como obrigar que um cão da raça Bulldog Francês faça uso de tal item de proteção.

E mais, até mesmo a obrigação contida em algumas normas condominiais dispondo que os animais, especialmente cães, deverão ser transportados somente no colo é abusiva e, dependendo da situação, pode até ser considerada humilhante e vexatória, podendo repercutir até na esfera criminal, pois imaginemos um Condômino idoso ou com qualquer outro tipo de dificuldade que queira transitar com seu cão (mesmo daquelas raças consideradas de pequeno porte) e é apenas permitida a locomoção em seu colo? Ora, se o proprietário possuir alguma condição física limitadora não poderá transitar com seu animal ou deverá ser uma tarefa de extrema complicação? Logicamente há abuso e violação de princípios legais mais “fortes” do que os contidos na Convenção e no Regimento Interno e que deverão prevalecer.

Mas, quando contido na Convenção e/ou Regimento Interno, não é irregular a vedação de que os animais não frequentem as áreas comuns, não sejam transportados pelo elevador social, não ingressem no elevador quando já existir outros ocupantes ou outras situações que visam apenas delimitar regras de convívio.

E é para solucionar alguns percalços que vários condomínios estão criando “cachorródromos”, que nada mais são do que espaços em que os animais frequentam, fazem suas necessidades e o dono será o responsável pelo recolhimento dos dejetos, situação que é regulamentada pelo Regimento Interno.

Atitudes assim têm atendido aos anseios dos proprietários de animais e estão em conformidade com os entendimentos jurisprudenciais relacionados ao assunto, senão vejamos:

“(TJPE-055593) AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO. CRIAÇÃO DE ANIMAL DE GRANDE PORTE. PROIBIÇÃO. NORMA INTERNA E SUA RELATIVIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. CONGRAÇAMENTO ENTRE OS DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS. CÃO DE CONDUTA DÓCIL. SOSSEGO, SALUBRIDADE E SEGURANÇA PRESERVADOS. APELO PROVIDO. 1. A permanência de um animal em um prédio só pode ser proibida se houver violação do sossego, da salubridade e da segurança dos condôminos (art. 1.336, IV, Código Civil). No ponto, invoca-se o clássico paradigma dos três “S”, para “uma devida eficiência de análise do caso concreto ao desate meritório”. 2. Doutrina de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, sustenta: “… Sendo expressa a proibição de qualquer animal, não há que prevalecer a literalidade do texto que representa verdadeiro exagero na restrição do direito de uso da unidade autônoma, que é garantido por lei (art. 1.335, I, do CC e art. 19 da Lei nº 4.591/1964) (…), valendo o entendimento pelo qual se deve afastar a literalidade da convenção para a análise do caso concreto”. 3. Assim, “se o cão não traz qualquer insegurança aos moradores, seja de ordem física ou de ordem psicológica, não viola o sossego e não se mostra nocivo, inexiste razão alguma para que a norma seja interpretada restritivamente tão só pelo fato de o mesmo ser de grande porte”. Se assim não fosse, o portador de deficiência visual ficaria proibido de ter em sua companhia no edifício seu cão-guia. 4. Tem-se presente, outrossim, conhecida alegoria do domador de ursos, sempre citada pela jurista Giselda Hironaka e também referida por Luis Recasens Siches na sua obra “Filosofía Del Derecho”, em uma estação ferroviária da Polônia. Ali era expressamente proibido o acesso de cães e nada referido ao acesso de ursos. 5. Em ser assim, deve haver, na estimação da norma, uma devida congruência entre meios e fins, para que a eficácia da norma exalte a sua própria razão de ser, interpretando-se que a proibição condominial não se refere a animal de grande e médio porte, mas os de grande e médio porte que violem o sossego, a salubridade e a segurança dos condôminos. Demais disso, caberia a indagação: Se o animal fosse pequeno e feroz e causasse risco à segurança, saúde e sossego, seria permitida a sua manutenção? 6. Demais disso, uma nova compreensão acerca da proteção jurídica e dos direitos dos animais, avoca estudo recente do jurista português José Luis Bonifácio Ramos, intitulado “O animal como tertium genus?”, onde ele defende que o animal não pode continuar sendo identificado simplesmente como coisa. 7. Com efeito, o condomínio pode estabelecer regras limitativas do direito de vizinhança, conforme autoriza a Lei 4.591/64. Entretanto, a regra interna do Condomínio que proíbe a criação de animais deve ser interpretada teleologicamente, apenas se aplicando quando restar demonstrado que está ocorrendo perturbação ao sossego, salubridade e segurança dos demais moradores. 8. Recurso de apelação provido, por maioria, julgando-se procedente o pedido inicial no alcance de ser permitida a permanência do animal na unidade autônoma do Condomínio, invertidos os ônus sucumbenciais. (Apelação nº 0071070-80.2010.8.17.0001, 4ª Câmara Cível do TJPE, Rel. Jones Figueirêdo. j. 25.10.2012, maioria, DJe 08.11.2012).”

JECCRJ-000174) CONDOMÍNIO. CACHORRO EM APARTAMENTO. CONVENÇÃO E REGULAMENTO INTERNO QUE VEDAM A POSSIBILIDADE DA PERMANÊNCIA DE QUALQUER ANIMAL EM APARTAMENTO DO CONDOMÍNIO-RÉU. Inexistindo prova de que o cão da autora, de pequeno porte, cause transtorno ao sossego, à saúde e à segurança dos demais condôminos, não se justifica a imposição de retirá-lo. Sentença de improcedência da pretensão autoral que se reforma. Recurso provido. (Recurso nº 2001.700.008101-8, Turma Recursal do JECC/RJ, Juiz(a) Gilda Maria Carrapatoso C. de Oliveira. j. 27.12.2001).

TJDFT-0189661) APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. PERIGO NÃO DEMONSTRADO. RAZOABILIDADE. (Processo nº 2010.01.1.040183-9 (650384), 4ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Fernando Habibe. unânime, DJe 05.02.2013).

“APEL. Nº: 9103208-66.2008.8.26.0000 – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE MULTA COMINATÓRIA. CONDOMÍNIO QUE PRETENDE O CUMPRIMENTO DE REGRA PREVISTA NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL. PROIBIÇÃO GENÉRICA DA PRESENÇA DE ANIMAIS. NÃO DEMONSTRADO QUALQUER INCÔMODO. CONFIGURADO CERCEAMENTO INJUSTIFICADO AO LIVRE USO DA PROPRIEDADE. RECURSO PROVIDO”.

“Agravo de Instrumento n.º 0.158.000-84.2012.8.26.0000 Agravo de instrumento. Obrigação de fazer. Retirada de cão da raça ‘Golden Retriever’ de condomínio. Liminar deferida com a cominação de multa diária. Decisão que se mostra precipitada. Requisitos para a antecipação da tutela que não se encontram devidamente delineados. Hipotético risco à integridade física dos moradores, com base no porte físico do animal, que não autoriza a concessão da tutela. Ausência, sequer de indícios de prova, de que o animal de estimação ocasionasse algum transtorno aos demais condôminos ou interferisse no sossego e saúde dos moradores. Regras estabelecidas na convecção condominial que não devem ser interpretadas de forma absoluta. Manutenção do animal com os agravados, por ora, deve prevalecer, sobretudo por se tratar de cão de raça reconhecidamente dócil. Agravo provido.”

Destarte, pelo exposto e considerando todos os direitos e deveres protegidos, e que devem ser respeitados na relação condominial, temos que quando o assunto é a permissão ou não de animais de estimação, salvo àquelas situações em que há legislação específica, lembramos que todos os demais casos deverão ser analisados com lastro no caso concreto.

Isso porque, conforme demonstrado pelas decisões judiciais, a corrente majoritária atual entende que apenas nos casos em que o animal refletir em transtorno aos demais ao ponto de perturbar o sossego (especialmente pelo barulho), for agressivo e ameaçar à saúde pública é que estaremos diante do caso de proibição da sua mantença no território condominial. Porém, a espécie, a raça e o tamanho do animal não será o fator decisivo para isso, pois o importante é o quão incômodo pode seu convívio com os demais moradores.

É por isso que em um mesmo Condomínio pode ocorrer a autorização para permanência de um cão da raça Pit bull, que não atrapalhe o sossego de nenhum morador, e a determinação judicial para retirada de uma ave que cante exaustivamente em horários “anormais”.

Outrossim, até por questões de saúde pública, não é ilegal que a norma condominial exija que os proprietários de animais apresentem ao Síndico documentos comprovando que a situação do seu bicho está regularizada (comprovante de vacinas).

Não obstante tudo isso, logicamente que o abandono, maus tratos e outras situações que interfiram na própria integridade do animal poderão ser relatadas ao Síndico e/ou as autoridades competentes para que adotem as providências necessárias.

Assim, em caso de proibição, aplicações de multas ou restrições que o Condômino entender ser indevida em decorrência do seu animal de estimação, o ideal é sempre tentar buscar solução amistosa com o Síndico e demais vizinhos e, em caso de insucesso, poderá encontrar no Judiciário a resguardo para a mantença do animal consigo.

E, mantendo resguardado o princípio da igualdade, àqueles Condôminos que se sentirem prejudicado em decorrência dos transtornos causados pelo animal de terceiros devem comunicar o fato ao responsável e aguardar a solução, inclusive com a intervenção judicial.

Conclui-se, portanto, que quando o assunto é a mantença de animal na unidade condominial autônoma, não há como ofertar uma resposta autorizadora ou proibitiva genérica, é necessário avaliar especificamente o caso, mas é visível que o bom senso é sempre o principal fator para regular a vida condominial, tanto que está presente nas decisões judiciais.

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Alexandre Berthe Pinto

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