Não bastassem os problemas decorrentes dos atrasos nas entregas das obras, o consumidor precisa ficar atento, também, no que diz respeito à eleição do Síndico e Administradora que fará a gestão do empreendimento adquirido.
Isso porque está disseminando no mercado contratos de compra e venda de imóvel dispondo que o Síndico será a própria Construtora e a Administradora será escolhida pela Sindicância, ou seja, também, pela própria Construtora, sob alegação de necessidade de adequação do empreendimento ao produto comercializado entre outras.
Assim, considerando que quando da Assembléia de Instalação do Condomínio os adquirentes não “se conhecem” eleger entre os presentes um membro para ocupar o cargo de Síndico e/ou escolher a Administradora, normalmente, é inviável operacionalmente, até pela falta de dados necessários para realização de tomadas de preços, requisição de orçamentos, contratação de prestadores de serviço etc.
Destarte, ante ao cenário operacional complicado que é a efetiva implantação do Condomínio, em um primeiro momento a atuação da Construtora como Síndica e a nomeação da Administradora por si escolhida parece ser uma atitude que ofertará tranquilidade aos novos condôminos.
E seria uma situação válida, especialmente se estivéssemos falando de um período de transição algo entre 60 e 180 dias, dependendo da complexidade e fins do empreendimento, mas isso se após o período de transição a faculdade de escolha de quem irá administrar fosse transferida aos proprietários.
Porém, normalmente, após um curto espaço de tempo, os condôminos percebem que ao invés de benéfica tal atitude pode ser prejudicial ao próprio Condomínio, uma vez que as vontades e anseios dos reais proprietários ficam sob o controle da Construtora, na qualidade de Síndica e qualquer alteração estará sujeita ao quórum disciplinado em lei.
A situação é agravada quando existem problemas de obras, divergência de projetos arquitetônicos, divergência da qualidade e de itens contidos no memorial descritivo e outras situações.
Isso porque, nos moldes do II do art. 1.348 do CC/2002, compete ao Síndico adotar todos os meios necessários à defesa dos interesses comuns do Condomínio e quando a questão for de responsabilidade da Construtora será dever do Síndico exigir da mesma a regularização das pendências, seja extra ou judicialmente.
E quando isso ocorrer, o Condomínio ficará a mercê da atitude do Síndico, que é a Construtora, para acionar Construtora. Ou seja, o Condomínio, representado pelo Síndico, que é a própria Construtora, teria que em nome do Condomínio adotar uma postura contra si mesma (Construtora). Tal situação coloca em aberto se há ou não existência de conflitos de interesse.
E mais, mesmo que em algumas ocasiões os problemas sejam solucionados sem necessidade de intervenção judicial, para efeitos legais, especialmente, no que diz respeito às garantias, é necessário que o Condomínio tenha guardado o histórico de todas as ocorrências e soluções, pois se a Construtora deixar o cargo de Síndica o conjunto de documentos de interesse do Condomínio devem ser preservados e precisam seguir um padrão formal, sob pena de considerar superado o prazo de garantia e outras situações que terão reflexos no futuro.
Destarte, quando o Síndico for a própria Construtora os condôminos e o Conselho Fiscal terão de desempenhar um papel de fiscalização intenso, uma vez que, sob o manto da facilidade de gestão, problemas podem ser acobertados e prazos de garantias poderão ser perdidos.
Outrossim, em que pese haver previsão legal para destituição do Síndico em decorrência da omissão e/ou inércia e ações indenizatórias contra o Síndico todos esses procedimentos não são imediatos.
É por isso que alguns adquirentes e futuros condôminos estão questionando tal “autoeleição” contida no contrato de compra e venda, socorrendo-se, especialmente, das proteções previstas no Código de Defesa do Consumidor, em especial nos artigos, in verbis:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
…
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;..”(gn)
Tais dispositivos ofertam um forte respaldo judicial, porém, como a inclusão contratual da “autoeleição” da Construtora para ocupar o cargo de Síndico e possibilitar a escolha da Administradora é relativamente nova, o Judiciário ainda não tem formatado jurisprudências em definitivo sobre o tema, mas há decisões afastando a imposição do Síndico por força de contrato de compra e venda e determinando que a escolha deva ser realizada pela Assembléia consoante preceitua o art. 1.347 do CC/2002.
No entanto, independente da situação, quando estamos diante da omissão do Síndico há outros meios legais que podem ser adotados e foram abortados em outro artigo. (veja aqui)
O fato concreto é que os contratos de compra e venda de imóveis na planta estão se tornando cada vez mais complexos, sendo totalmente aconselhável que o consumidor tente conter a emoção e, possíveis, pressões para sua assinatura imediata e dispense toda atenção necessária antes de concretizar o negócio.
por Alexandre Berthe Pinto, sócio do Berthe e Montemurro Advogados.