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Condôminos em risco?

Você que mora ou morou em condomínio já imaginou um dia ter sua conta bloqueada em razão de um processo que nem sabia existir? Já imaginou saber que seu veículo está bloqueado no momento da venda, já imaginou estar viajando e ficar impossibilitado de usar seus cartões, etc.?

Não? Mas saiba que o risco existe, é real e não tão raro quanto se imagina.

E, o presente artigo deseja pôr em discussão os riscos que as pessoas (físicas e/ou jurídicas) estão sujeitas em razão da inovação legal quanto à citação processual, que também pode afetar o patrimônio de condomínios residenciais, administradoras e síndicos

Assim, ainda que possa parecer exagero considerar todos esses riscos, a situação é real. E, possivelmente em um futuro não muito distante as Cortes Superiores analisarão com maior propriedade a inovação legislativa afim de evitar a continuidade de situações análogas.

A declinada certeza é fruto da regra geral prevista no art. 246, I e da inovação contida no §4º do art. 248, ambos do Novo Código de Processo Cível[1] no que tange à citação da parte no processo judicial, que passou a admitir expressamente que o funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência recepcione o mandado de citação, in verbis:

Art. 248. Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou o chefe de secretaria remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz e comunicará o prazo para resposta, o endereço do juízo e o respectivo cartório.

  • 4º Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente. (gn)

 

Como consequência, não é mais surpreendente casos em que o cidadão que reside, ou residiu, em um condomínio foi, ou será, pego de surpresa ao tentar realizar uma operação financeira e for impedido em razão da penhora de valores fruto de processo judicial que nunca soube existir.

Assim, se você reside em um condomínio e for viajar de férias e/ou a trabalho, por exemplo, também está correndo o risco de retornar e perceber que sua conta foi bloqueada e/ou descobrir que deixou de apresentar defesa em processo judicial.

Não obstante, a pessoa sequer precisa se ausentar da cidade em que mora, basta ser um trabalhador com horários alternativos e/ou que não tenha o hábito de verificar suas correspondências que o risco também existirá.

Portanto, queiramos ou não, aceitamos ou não, o fato concreto é que os exemplos mencionados não são opostos à realidade que muitos cidadãos que residem, ou que residiram, em condomínios estão sofrendo.

Isso porque, as recentes decisões, com lastro na regra do §4º do art. 248 do NCPC, validam o ato citatório recebido pelo funcionário do condomínio que tenha retornado positivo ao processo, sem qualquer ressalva, consequentemente há a decretação da revelia (art.344 CPC) e os ônus processuais dela decorrente, vejamos:

 “…A parte ré foi citada por carta postal na Avenida Prudente de Moraes, nº 900, apartamento nº 13, na cidade e Comarca de Itatiba, local que é um condomínio edilício, tendo o aviso de recebimento sido assinado por “João L. Oliveira”. Estabelece o art. 248, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015: “Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente”. Do aviso de recebimento de citação postal de página 112 vê-se que não houve qualquer declaração no sentido de que a parte ré tenha de lá se mudado, ou estava ausente ou era desconhecida do recebedor, portanto, válida a citação postal…”  TJSP nº 1001137-88.2017.8.26.0071

…”  As partes rés, devidamente citadas, deixaram de oferecer contestação. Observo que, conquanto o aviso de recebimento não tenha sido assinado pessoalmente, a citação é plenamente válida e eficaz, pois é aplicável ao caso a regra do art. 248, § 4°, do Código de Processo Civil, sobretudo ante a prova documental do domicílio existente nos autos…” TJSP nº 1001932-78.2017.8.26.0529

“…Compulsando-se os autos, verifica-se que a carta de citação foi recebida por terceiro em um condomínio edilício e/ou loteamento com controle de acesso. Desta forma, de acordo com o artigo 248, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, a citação é válida ainda que recebida por terceiro. Presume-se ser este terceiro funcionário da portaria responsável pelo recebimento das correspondências e que a correspondência será devidamente entregue ao morador citado. A revelia acarreta a presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial. A procedência desta ação é, portanto, de rigor,…” TJSP nº 1035614-53.2017.8.26.0002 

“….Fls. 124: decisão que determinou a liberação dos autos ao Cejusc para designação de audiência de conciliação ou mediação. Fls. 143: decisão que deixou de determinar nova remessa dos autos ao Cejusc, tendo em vista que a primeira tentativa de citação restou infrutífera. Determinou a citação, para, querendo, responder em quinze dias úteis (contados nos termos do art. 335, III, do CPC). Fls. 160/161: ARs de citação (recebidos por terceiro). Fls. 165: decisão que, nos termos do art. 248, § 4º, do CPC, considerou válida a citação dos réus. Réus revéis. Esse é o relatório…” TJSP nº 1020907-83.2016.8.26.0562

Extrai-se das decisões que decretaram à revelia a demonstração absoluta de que a validade do ato só foi concretiza em decorrência da assinatura do funcionário do condomínio sem qualquer ressalva, neste sentido:

“…Presume-se ser este terceiro funcionário da portaria responsável pelo recebimento das correspondências e que a correspondência será devidamente entregue ao morador citado[2]…”

“…Do aviso de recebimento de citação postal de página 112 vê-se que não houve qualquer declaração no sentido de que a parte ré tenha de lá se mudado, ou estava ausente ou era desconhecida do recebedor, portanto, válida a citação postal[3]…”

Dessa forma, considerando as decisões judiciais, é importante que todas as partes envolvidas busquem meios de controle eficientes quando do recebimento de correspondências postais, possibilitando que o funcionário (porteiro/zelador) possa recusar o recebimento da correspondência conforme preceitua a Lei, mas é prudente que as pessoas que residem, residiram ou possuam imóvel em condomínio e os próprios condomínios adotem medidas protetivas para resguardo de seus direitos, como:

  1. O EX-CONDÔMINO

Todo cidadão que tenha residido em condomínios edilícios e/ou em loteamento com controle de acesso, está em risco.

E, a declinada certeza é decorrente da ausência de um banco de dados único e atualizado dos dados cadastrais dos brasileiros, por consequência, caso o ex-condômino venha a figurar como réu em algum processo e for necessário a solicitação de informações cadastrais, e lá constar o endereço de um antigo condomínio que residiu e a carta de citação for recepcionada pelo funcionário do condomínio sem indicação de “mudou-se”, “desconhecido” ou “ausente” o ex-condômino terá grandes chances de enfrentar problemas desagradáveis.

Assim, é aconselhável que todas as pessoas que tenham residido alguma vez em condomínios edilícios e/ou em loteamento com controle de acesso notifiquem esses locais desautorizando-os de receber qualquer correspondência em nome do solicitante, em decorrência da alteração do endereço residencial.

Ao adotar a declinada postura, caso o porteiro venha a receber qualquer correspondência em nome do ex-condômino e isso lhe causar prejuízo as chances para um pleito indenizatório contra o condomínio e até mesmo para questionar a nulidade de atos processuais serão maiores.

  1. O CONDÔMINO RESIDENTE.

Todos as pessoas que residem atualmente em condomínio, seja proprietário ou inquilino, devem questionar junto ao síndico/administradora quais as regras relacionadas ao recebimento de entregas, especialmente àquelas com aviso de recebimento, protocolos, etc.

Outrossim, após inteirar-se das regras vigentes e confrontar com o próprio estilo de vida, pode ser necessário que venha a procurar o advogado especializado na relação condominial, no afã de que elabore documento resguardando o direito do condômino caso venha a ocorrer o recebimento de correspondências de forma indevida e isso reflita em prejuízos.

A cautela é necessária, pois, não são raros condomínios que não possuem controle postal eficiente, seja no recebimento e/ou na entrega das correspondências.

  1. O CONDOMÍNIO

Além das inúmeras obrigações existentes no cotidiano da vida condominial, agora mais do que nunca é fundamental, diríamos até que obrigatório, que o condomínio edilício e/ou de loteamento com controle de acesso mantenha uma lista completa e atualizada de todos os proprietários que residam no local e de todos os demais moradores da unidade condominial, sejam inquilinos ou não.

Não obstante, é extremamente importante que o síndico verifique com o jurídico quais as atitudes que deverão ser executadas quando da recepção equivocada de citações, da não localização interna do morador e outras situações que tenham como resultado final a não entrega da carta recebida pelo funcionário ao destinatário dentro do prazo de 48 horas (prazo de segurança administrativa).

O suporte jurídico é extremamente necessário, pois, o trabalho de prevenção que será executado levará em consideração o porte do próprio condomínio, a análise da rotatividade dos seus proprietários, ocupantes, moradores e treinamento dos funcionários.

Possivelmente, o condomínio que deixar de adotar essas cautelas poderá ser condenado a indenizar materialmente e/ou moralmente qualquer cidadão que tenha sofrido o ônus da revelia em razão do recepcionamento inadequado de correspondência e/ou da sua não entrega no prazo correto, situação que já ocorre e tende a aumentar, como será demonstrado ao final.

  1. A ADMINISTRADORA

Em que pese a responsabilidade da administradora pelo recepcionamento inadequado de correspondência, ou pelo seu não repasse ao destinatário, ocorrer somente em casos mais específicos e por intermédio de uma ação regressiva, a sua participação como auxiliadora do condomínio é de extrema importância.

Assim, considerando os riscos reais decorrentes da inovação legislativa, é fundamental que a administradora trabalhe em total cooperação com o síndico, inclusive, redigindo circulares, aconselhando na alteração de regras condominiais e outras ações no afã de diminuir os riscos aos ex-condôminos, condôminos, síndico e principalmente ao próprio condomínio.

  1. SÍNDICO

O Síndico como representante legal do condomínio, seja ele morador ou não, profissional ou não, está sujeito em casos extremos a ressarcir com o próprio patrimônio prejuízos causados em razão do cargo que exerce.

Assim, como em outros temas importantes, por exemplo, a vigília no pagamento de tributos, é necessário que o síndico requeira o quanto antes a adoção de procedimentos de controle para esse tipo de correspondência (judicial), inclusive, se necessário, com a convocação de assembleias, envio de circulares, adequação de regras condominiais ou outras atitudes para proteger os interesses do condomínio.

O síndico deve, portanto, inteirar-se desse tipo de assunto, inclusive, ante a peculiaridade de inúmeras situações, requisitando auxilio ao jurídico do condomínio, evitando surpresas desagradáveis que poderão refletir em risco ao próprio patrimônio.

  1. INVESTIDOR

Os investidores e/ou proprietários de várias unidades condominiais, da mesma sorte, estão sujeitos a uma intercorrência desagradável se qualquer intimação for recebida equivocadamente e/ou não repassada dentro do prazo hábil para realização dos procedimentos necessários.

Portanto, pessoas que são, ou foram, proprietárias de imóveis em condomínios ainda que apenas para investimentos devem procurar aconselhamento para também resguardar seus direitos.

  1. A SEGURANÇA

É de notório conhecimento nacional que o país enfrenta um estado que beira à guerra civil quando o assunto é violência, não sendo raros casos de atos criminosos que afetam os condomínios e seus ocupantes.

Assim, se admitirmos a lei da forma que está textualmente redigida, o funcionário da portaria teria que ter ciência da agenda de todos os condôminos, pois, para negar o recebimento da citação, deve declarar a ausência do citado para evitar os riscos legais de uma declaração falsa.

Como consequência, sob o ponto de vista da segurança, a inovação legal afeta sobremaneira a segurança da comunidade condominial, pois, o condômino terá que disponibilizar à terceiros sua agenda com horários de saída/entrada, período de viagem e outras situações, sendo certo que o vazamento desse tipo de informação poderá colocar em risco a unidade condominial dos condôminos, pois, previamente pessoas terão ciência do horário em que a unidade estará vazia.

Portanto, é necessário a criação de mecanismos que possibilitem ao funcionário declarar a ausência do condômino, sem que exista uma declaração falsa e não coloque em risco a segurança condominial.

  1. É POSSÍVEL REVERTER UMA CITAÇÃO INDEVIDA PROCESSUALMENTE?

Dependendo da situação, a pessoa considerada revel em razão do recebimento da citação pelo porteiro e sem quem tenha acesso à correspondência no prazo legal terá chances de anular o ato processual e reverter a situação relativa à validade da citação.

Contudo, considerando a morosidade do judiciário brasileiro, o ônus financeiro das atualizações judiciais e, quando incidente, os juros de mora, se for anulada a citação e o processo retornar o início, até que nova decisão venha a ser proferida o reflexo financeiro pode ser extremamente elevado, ao ponto de, dependendo do caso, deixar de ser compensatório financeiramente adotar o procedimento para reverter uma citação errônea, chegando-se a infeliz certeza de que será mais barato arcar com o custo de uma condenação do que questionar sua validade processualmente.

Portanto, ainda que seja possível anular uma citação viciada, será imprescindível a análise do caso concreto para avaliar os riscos e benefícios da postergação de uma discussão judicial.

  1. DOS RISCOS FINANCEIROS QUE JÁ OCORREM

Ainda que seja inegável que o anseio do legislador tenha sido trazer agilidade aos processos, é fato concreto que ajustes quanto a decretação da revelia e/ou do não cumprimento de prazos decorrentes de citações recebidas pelo funcionário do condomínio, sem qualquer ressalva, portanto, que possibilite validar o ato processual, deverão ser discutidos nos tribunais superiores.

Porém, até que isso venha a ocorrer, em razão da importância e da responsabilidade que o funcionário condominial passou a possuir, é extremamente aconselhável ao síndico que busque auxilio profissional para que implante mecanismos de proteção legal personalíssimo ao condomínio, evitando o aumento de condenações relacionas as intercorrências postais, pois, não são raros casos em que o condomínio é condenado a arcar com o pagamento de 10 mil reais ou mais, a título de dano moral, montante que pode ser acrescido de danos materiais comprovados, neste sentido:

Ação de indenização por danos materiais e morais. Correspondência da autora que é extraviada na portaria do edifício em que residia, o que foi confessado pela própria sub-síndica à época. Correspondência que foi encontrada junto daquelas pertencentes aos ex-moradores e entregue tempos depois de recebida. Réus que devem responder pelo dano moral. Atitude dos réus que não causou mero incômodo, mas verdadeiro dano moral, atingindo a esfera psicológica da autora. Reparação do dano moral que deve ser fixada em valor que permita propiciar uma compensação razoável à vítima, sem configurar fonte de enriquecimento indevido em detrimento da parte vencida, observados os fatos e sua repercussão e as condições das partes envolvidas. Fixação da indenização por dano moral em R$ 10.000,00. Danos materiais, relacionados à perda de uma chance que não podem ser indenizados uma vez que cabia à autora acompanhar seu concurso público pelo diário oficial, o que foi reconhecido em seu apelo. Recurso da autora parcialmente provido. (TJSP;  Apelação xxxxxxxx; Relator (a): Ruy Coppola; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mauá – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/10/2017; Data de Registro: 06/10/2017)

VOTO DO RELATOR EMENTA – RESPONSABILIDADE CIVIL – REPARAÇÃO DE DANOS – Danos que, segundo a inicial, decorrem do recebimento de carta de citação endereçada à autora, pelo condomínio, mas a ela não entregue – Prova documental confirmatória do alegado – Circunstância que ensejou a condenação da requerente, na esfera trabalhista – Nexo causal estabelecido – Indenização devida (não a título de danos materiais, mas pela perda de uma chance – qual seja, de se defender naquele feito) – Fixação em R$ 4.000,00 que não comporta majoração para o valor da condenação na Justiça Obreira (já que não se pode dizer que, caso tivesse a autora ofertado defesa, teria sido vencedora naquela demanda) – Montante que se insere nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Sentença mantida – Recursos improvidos. (TJSP;  Apelação xxxxxxxx; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 20ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro Central Cível – 26ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/02/2017; Data de Registro: 07/02/2017)

  1. CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto que, ainda que muito provavelmente as Cortes Superiores venham em um futuro não muito distante analisar a validade do §4º do artigo 248 do CPC; para todos que residem, residiram, possuem ou possuíam imóvel em condomínios residenciais ou com portaria de controle de acesso, o risco de ser considerado revel em um processo é real, tamanha importância e consequência transferida ao funcionário condominial que recebe correspondências judiciais, como consequência, os riscos aos condomínios que não adotarem praticas preventivas e de controle de correspondências aumentaram consideravelmente.

Assim, o aconselhável é que todos os envolvidos, direta ou indiretamente, procurem auxílio jurídico capacitado para que implementem mecanismos para resguardar e proteger seus direitos, no afã de evitar prejuízos patrimoniais elevados.

E, por fim, mais do que nunca os condomínios deverão implantar um sistema eficaz de controle no recebimento e entrega de correspondências.

 

Por Alexandre Berthe Pinto

Advogado Membro da Comissão de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil Seção de São Paulo. Criado em 31.01.18.

[1] Lei 13.105 de 16/03/2015

[2] TJSP nº 1035614-53.2017.8.26.0002

[3] TJSP nº 1001137-88.2017.8.26.0071

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Alexandre Berthe Pinto

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