Fornecimento de senha em caso de violência

Transferência após roubo de celular com entrega da senha: banco devolve o dinheiro?
1. Introdução
Nos últimos anos, os crimes envolvendo celulares roubados e o consequente uso de aplicativos bancários explodiram em todo o Brasil.
A facilidade de acesso aos aplicativos bancários, dados pessoais e senhas armazenadas nos aparelhos faz com que criminosos consigam movimentar grandes quantias em poucos minutos.
Diante dessa realidade, muitos consumidores se perguntam: se fui forçado a entregar minha senha, o banco tem obrigação de me ressarcir?
E, a dúvida é ainda mais embasada, agora, principalmente em razão da gigantesca violência urbana e centralização de transações financeiras e tokens de acessos em aparelhos celulares.
Soma-se a isso o avanço dos aplicativos de pagamento e a adoção em massa do sistema PIX, que permite transferências instantâneas, ou seja, com o aparelho em mãos e a senha fornecida sob ameaça, os criminosos conseguem acessar contas, fazer transferências e até contratar empréstimos em nome da vítima em um curtíssimo espaço de tempo, portanto, o prejuízo é imediato — e a dor de cabeça para tentar resolver também.
É nesse cenário que se intensifica a discussão sobre a responsabilidade dos bancos em proteger seus clientes, afinal, como nível de violência que vivemos, é totalmente previsível o uso de aplicativos para obtenção de valores das vítimas
Portanto, afinal, as instituições financeiras são obrigadas a adotar mecanismos de segurança para detectar movimentações atípicas e garantir a segurança das movimentações realizadas por aplicativos, ainda que mediante o uso da senha, quando fornecida sob coação?
E, o judiciário em vários casos entende que, quando a vítima entrega sua senha em razão da coação, e isso reflete em várias movimentações sem o bloqueio preventivo, pode-se questionar a falha de segurança do sistema bancário. E, quando isso é demonstrado, entra em cena o direito do consumidor à reparação, mesmo quando o dano ocorreu mediante coação e fora do padrão de uso do cliente

2. Como é o golpe
O golpe da transferência após roubo de celular com entrega da senha ocorre geralmente de forma rápida e traumática. A vítima é abordada por criminosos armados, que além de subtrair o aparelho celular, exigem sob coação que a senha de desbloqueio do telefone seja fornecida. Em muitos casos, os bandidos também obrigam a vítima a desbloquear o aparelho e os aplicativos bancários ali mesmo, sob ameaça de morte.
De posse do telefone e das senhas, os criminosos agem de forma organizada e meticulosa. Primeiro, acessam os aplicativos bancários instalados, carteiras digitais e outros. Eles fazem transferências para diversas contas em pouquíssimo tempo, usam o limite de cheque especial, em alguns casos o cartão de crédito, contratam empréstimos, alteram limites e dados cadastrais e por vezes, acessam contas vinculadas a investimentos. Tudo isso em questão de minutos, antes que a vítima consiga bloquear o aparelho ou os serviços, ou seja, o prejuízo financeiro é gigantesco.
Assim, na grande maioria das vezes, as operações são realizadas com valores elevados, horários incomuns ou destinatários desconhecidos, tudo sem despertar qualquer suspeita e/ou sem que o banco realize qualquer bloqueio preventivo.
Já, após ser vítima, o consumidor geralmente enfrenta obstáculos, como: demora na análise, negativa de ressarcimento com justificativas genéricas e até alegações de “culpa exclusiva do consumidor” por ter compartilhado a senha — mesmo que isso tenha ocorrido sob coação – como consequência os bancos informam que a vítima é quem deverá suportar os prejuízos isoladamente.
No entanto, ainda que com a resposta negativa, e mesmo que a vítima tenha fornecido sua senha, o judiciário em várias decisões considera que o banco pode ser responsabilizado em razão da falha do seu sistema de monitoramento, especialmente quando há demonstração da atipicidade das movimentações e a coação sofrida pela vítima.
3. Fundamentos Legais
O direito ao ressarcimento, nos casos de fraudes bancárias, como as transferências realizadas após o roubo do celular mediante coação e entrega de senha, encontra amparo em diversas normas da legislação brasileira.
O principal fundamento está na responsabilidade objetiva das instituições financeiras, prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que dispõe que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação dos serviços.
E, quando o sistema de segurança do banco falha ao permitir transações atípicas ou fora do perfil do cliente, há evidente falha na prestação do serviço, o que obriga a instituição a reparar os danos.
Além disso, a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) menciona que: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, ou seja, como as transações são realizadas – processadas – pelos próprios bancos, há situações em que será responsável pelo prejuízo.
Pode ser invocado também Código Civil, na medida em que discussões sobre o dever de reparar em razão da negligência, imprudência e imperícia pode ser ventilada, como também a nulidade de atos concretizados sem a vontade expressa da vítima.
Percebe-se, portanto que, sob o ponto de vista legal há várias disposições legais que o advogado especialista em golpes e fraudes bancárias poderá invocar em benefício da vítima do roubo.
Por fim, as normas do Banco Central exigem a implementação de mecanismos antifraude eficazes, cuja ineficiência acarreta responsabilidade objetiva.
4. O que fazer se for vítima
Se você foi vítima de roubo de celular e obrigado a entregar sua senha, algumas medidas são fundamentais para resguardar seus direitos:
- Comunique imediatamente o banco e solicite o bloqueio dos acessos e serviços. Guarde o número do protocolo.
- Bloqueie seu celular e linha telefônica junto a operadora.
- Registre um boletim de ocorrência detalhado, presencialmente ou online. Normalmente em caso de roubo com violência o BO deverá ser feito presencialmente.
- Solicite comprovantes de todas as movimentações e transações realizadas após o roubo.
- Guarde todas as mensagens e protocolos de atendimento.
- Aguarde a resposta do banco, que deve ser formal, informando se haverá ressarcimento total, parcial ou negativa.
Essas ações devem ser complementadas com qualquer prova adicional que você possua, como prints de tela, conversas, localização via GPS e testemunhos, ou seja, em casos de roubo, ainda que possa ser invocada a inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor, o advogado especialista em golpes e fraudes bancárias sempre aconselha a reunião de documentos adicionais relacionados ao caso, por isso sua participação é sempre aconselhável.
5. Quando procurar o Judiciário?
Você deve buscar o Judiciário quando o banco não cancelar total ou parcialmente as transações ou negar o reembolso total ou parcial.
Porém, como em casos de roubo com o fornecimento da senha, pode envolver maiores discussões jurídicas, é sempre aconselhável que a vítima procure o advogado especializado em fraudes bancárias de sua confiança, que terá capacidade para avaliar o caso, propor ação judicial e pleitear inclusive danos morais, se aplicável, além de falar sobre os riscos da ação judicial em razão das características dos fatos.
6. Como o Judiciário tem decidido?
O Judiciário tem proferido decisões favoráveis ao consumidor, reconhecendo que a entrega da senha sob coação anula o consentimento e torna as transações inválidas. A jurisprudência destaca:
- Movimentações fora do perfil da vítima;
- Ausência de bloqueios pelo setor antifraude;
- Responsabilidade objetiva do banco (Súmula 479/STJ);
- Inexistência de prova inequívoca de que a vítima realizou a operação.
Por outro lado, em alguns casos, os tribunais aplicam a culpa concorrente, reduzindo o valor da indenização quando se constata que o consumidor também contribuiu para o prejuízo (por exemplo, ao manter senhas anotadas ou segurança deficiente no dispositivo) ou mesmo informar a senha, ainda que mediante coação.
O Judiciário, além de outros aspectos, entende como de grande importância para decidir o valor movimentado, o tempo entre o roubo e as transações e a forma como as transferências ocorreram, para definir a responsabilidade e o grau de culpa.
Vejamos algumas decisões
CONTRATOS – Serviços bancários – Ação declaratória de inexigibilidade de débito c.c. indenização por danos material e moral – Sequestro relâmpago – Criminosos que, mediante coação, obtiveram o cartão e senha pessoal do autor e realizaram compras fraudulentas – Sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos – Apelo do corréu – Transações destoantes do perfil do consumidor – Falha na prestação do serviço – Responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços – Súmula n. 479 do STJ – Ausência de excludentes – Dano moral – Caracterizado – Inscrição do nome do autor nos órgão de proteção ao crédito em razão do débito contraído pelos criminosos – Indenização arbitrada em patamar hodiernamente adotado por esta Turma Julgadora – Sentença mantida – Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1012468-20.2022.8.26.xxxx; Relator (a): Pedro Ferronato; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma III (Direito Privado 2); Foro de Carapicuíba – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/02/2025; Data de Registro: 20/02/2025)
APELAÇÃO. Ação declaratória c.c. indenizatória. Contratação de empréstimo e transações via PIX não reconhecidas pelo correntista após roubo do aparelho celular em via pública. Sentença de parcial procedência. Irresignação do autor e da instituição financeira. Alegação de ilegitimidade passiva rechaçada. Danos materiais que decorrem diretamente da utilização dos serviços bancários prestados pela requerida. Relação de consumo. Súmula 297, STJ. Responsabilidade objetiva das instituições bancárias no âmbito da prestação do serviço. Art. 14, § 1º, do CDC e Súmula 479, do STJ. Boletim de ocorrência realizado logo após a ocorrência dos fatos. Operações que destoam do perfil de consumo do correntista. Fraude constatada. Falha na prestação de serviços bancários. Danos morais inocorrentes. Ausência de lesão a direito de personalidade ou à honra do consumidor. Inexistência de negativação, protesto ou cobrança vexatória. Sentença reformada nesta parte. Recurso do autor não provido e recurso da instituição financeira parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1080353-67.2024.8.26.xxxx; Relator (a): Pedro Paulo Maillet Preuss; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 11ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/04/2025; Data de Registro: 02/04/2025)
7. Principais Perguntas e Respostas
1. Se fui forçado a entregar a senha, o banco me ressarce?
Sim, se houver coação e falha de segurança do banco e as transações foram atípicas, o banco pode ser condenado.
2. O banco pode negar reembolso por eu fornecer a senha?
Não, se a senha foi entregue sob ameaça e as transações forem atípicas, várias decisões judiciais entendem pela responsabilidade dos bancos.
3. É obrigatório fazer BO?
Sim, é essencial para documentar o caso.
4. Posso processar se o banco negar reembolso?
Sim, procure um advogado especializado em golpes e fraudes bancárias, pois, ainda que exista a possibilidade, é fundamental que a vítima seja devida esclarecida do caso.
5. Em quanto tempo o banco deve responder?
Em até 10 dias úteis.
6. Posso pedir indenização por danos morais?
Sim, dependendo do caso concreto.
7. O banco pode alegar culpa concorrente?
Sim, e isso pode reduzir o valor do ressarcimento, ou seja, a justiça pode entender que o consumidor falhou também de o prejuízo normalmente é dividido entre vítima e banco.
8. Conclusão
A transferência de valores após roubo de celular com entrega de senha sob coação é uma das fraudes mais recorrentes no país atualmente.
Porém, a consumidor pode ter direito ao ressarcimento quando fica claro que o banco falhou em seus mecanismos de segurança. E, mesmo que a jurisprudência admita, em casos pontuais, a aplicação da culpa concorrente, a tendência predominante é a responsabilização da instituição financeira diante da falha no monitoramento e na contenção de movimentações atípicas.
9. Aviso legal
Este conteúdo tem caráter meramente informativo. Para orientação adequada ao seu caso específico, procure um advogado especializado em fraudes bancárias e proteção de dados pessoais.
Por Alexandre Berthe Pinto, advogado especialista em golpes e fraudes bancárias – www.alexandreberthe.com.br

Por Alexandre Berthe Pinto
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