Uma recente decisão proferida no Rio Grande do Sul envolvendo a venda de dados para marketing e telemarketing (SENTENÇA) traz a tona novamente sobre a legalidade ou não do armazenamento de dados, sua venda e o direito dos consumidores em ter sua intimidade inviolável.
Assim, longe de querer apresentar defesa para a empresa que figurou como ré, tampouco em fazer defesa sobre o direito individual de algum consumidor, eventualmente, lesado, a idéia é debater o assunto sobre uma visão mais abrangente, possibilitando que opiniões diversas sejam expostas.
Primeiramente, ao analisarmos de forma isenta o assunto é inegável que, em razão do avanço das tecnologias, os dados de todas as pessoas circulam nos mais diversos meios, portanto a grande questão é saber se o administrador desses dados age de forma ilícita ou não. E, respeitando opiniões diversas, penso que não.
Entretanto é fundamental registrar que tal posicionamento pressupõe que os bancos de dados utilizados foram alimentados com informações obtidas licitamente, por conseguinte não há qualquer irregularidade em compilar e segmentar tais informações para comercia-las posteriormente. Situação totalmente oposta será se a base das informações for decorrente de fontes de informações protegidas pelo sigilo fiscal, por exemplo.
A utilização de informações pessoais para fins comerciais está presente no cotidiano das pessoas, tanto que navegadores de internet, sites de comércio eletrônico e outros, fazem uso diário dos denominados “cookie” e de outras tecnologias que registram os passos dos usuários, suas preferências e com base em inúmeras outras informações fazem com que ao navegarmos pela internet “misteriosamente” banners publicitários apareçam com forte relação com aquilo que temos maior interesse, e isso, querendo ou não, é uma consequência natural do mundo capitalista e do avanço da tecnologia e jamais será barrado.
Assim, em alguns momentos da própria evolução da sociedade, é necessário termos a humildade e a sensatez de aceitar que o mundo capitalista existe apenas em decorrência das transações comerciais, e cada vez mais tudo caminha para que isso seja aprimorado e reflita em resultados financeiros para todos os envolvidos, sendo que as informações (perfil do consumidor) diariamente são trabalhadas para que os interesses dos consumidores sejam atrelados aos produtos/serviços de vendedores e negócios sejam concretizados.
Em outra esfera, se partimos do ditado popular que diz que a “Propaganda É A Alma Do Negócio”, é natural que qualquer comerciante deseje que o maior número de clientes em potencial tenha ciência do produto/serviço que comercializa, consequentemente focará suas campanhas nesses nichos. E para que isso ocorra a contratação de empresas especializadas na segmentação de clientes em potencial é necessária e útil.
Ademais, não podemos fechar os olhos, pois em um passado não muito distante vários consumidores eram surpreendidos por pesquisadores, que apresentavam questionários cujo anseio nada mais era do que traçar o perfil dos consumidores, compilar as informações, e fazer uso para determinado segmento econômico.
No entanto, atualmente, é incontestável que com o avanço da tecnologia a obtenção das mais diversas informações, além de extremamente mais rápida é muito mais detalhada, consequentemente empresas foram criadas e os dados de milhares de pessoas são compilados objetivando que campanhas de marketing atinjam com maior assertiva determinado grupos de consumidores.
Porém, naturalmente, que vez ou outra podemos nos deparar com o excesso dessas campanhas, especialmente quando o assunto é o uso de celulares para realização de ligações gravadas e envio de SMS.
E quando isso ocorre, entendo que estamos diante da caracterização da violação, pois há uma tentativa de contato acima do plausível, especialmente, pelo fato de não permitir que o consumidor tenha a chance de ler/ouvir ou não o que está sendo entregue. Mas até mesmo quanto a isso há Leis estaduais que permitem ao cidadão cadastrar seus telefone para evitar o recebimento de chamadas e mensagens indesejadas, no Estado de São Paulo o banco de dados é administrado pelo Procon[1]. Assim, se há tal ferramenta e o consumidor não a utiliza é possível imaginar que não se opõe ao recebimento de informações em seu telefone de contato.
Em situação oposta, são os casos em que mesmo cadastrado o consumidor é incomodado, quando isso ocorrer a sansão deve ser aplicada.
Já, sob outro ponto de vista, temos que campanhas de marketing são rotineiras, basta verificar a quantidade de folhetos que são disponibilizados para os consumidores dentro de jornais, nos faróis, para-brisa do carro, caixa de correio, ao andarmos pela rua e inúmeras outras situações, ocasião em que o consumidor pode dispensar o folheto e isso não é capaz de causar nenhum dissabor.
Assim, ainda que possa parecer diferente, ao analisarmos com isenção, temos que tanto nas campanhas que usam fonte de informações compiladas, quanto nas que fazem uso de distribuição de folhetos o que existe é o interesse da venda de algum produto/serviço, sendo assim, será que podemos considerar que receber um folheto na rua e inofensivo e uma correspondência fruto de uma campanha que utilizou um banco de dados segmentado é ofensivo? Penso que não.
Outrossim, uma situação pouco discutida, mas que é de extrema importância, é que as campanhas de marketing e telemarketing que são realizadas com base em banco de dados trabalhos de uma certa forma consegue também agradar alguns consumidores, contrário fosse tais empresas sequer existiriam. Assim, é evidente que o assunto precisa ser tratado da forma mais abrangente, objetivando preservar consumidores que não possuem interesse em receber qualquer comunicado e ao mesmo tempo manter preservado o interesse de inúmeros outros, portanto o assunto precisa ser tratado sob uma forma muito mais abrangente do que ocorre atualmente.
A situação atual pode até refletir na criação de um banco de dados em que consumidores aceitarão compartilhar ou não mais do que simplesmente seus dados de telefone, mas outras informações relevantes para o seu perfil de consumidor.
Além disso, poderiam ser criadas regras de conduta para o envio de material publicitário, semelhante ao que ocorre com o “e-mail”, bastando que nas correspondências exista o endereço eletrônico ou outro método para que o consumidor possa inibir o recebimento de comunicação futura.
Destarte, seria muito mais proveitoso para sociedade que métodos fossem discutidos para regulamentar a utilização e comercialização de dados segmentados do que simplesmente arguir que estamos diante de uma atitude ilícita e lesiva, pois, reitera, tais empresas existem apenas em decorrência do sucesso na compilação de seus dados, isso quer dizer que vários consumidores são beneficiados com tais campanhas.
Outrossim, é muita ingenuidade acreditamos que o perfil dos consumidores deixará de ser usado, o mundo capitalista e a própria evolução tecnológica cada dia mais monitorará o perfil de cada cidadão para oferecer produtos e serviços que mais lhe atraem “automaticamente” e isso é decorrente do que muitas pessoas chamam de “inteligência artificial”.
Assim, em razão de todo exposto, é possível concluir que sob o aspecto legal o assunto é extremamente complexo e a questão não deve ser tratada unicamente sob a frieza da interpretação literal de algumas Leis, afinal ao tentar proteger o interesse de alguns, outros consumidores serão prejudicados. Portanto, uma das saídas é a realização de debates com integrantes que representam e regulam o funcionamento das empresas de compilação de banco de dados, de propaganda e publicidade, da sociedade civil e do próprio judiciário para em conjunto regulamentar a questão.