Índice da Sinistralidade Abusivo

Nos últimos anos, muitos brasileiros têm recorrido à abertura de uma empresa – obter um CNPJ – com o único objetivo de contratar um plano de saúde empresarial para a família.
O procedimento, que é obrigatório, é a única alternativa para que famílias consigam contratar um plano de saúde. E, no início, essa estratégia parece vantajosa por oferecer valores mais baixos do que os planos individuais, mas, na verdade esconde um problema sério: os reajustes anuais por sinistralidade, que não são limitados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e podem tornar o plano impagável em pouco tempo, ou seja, é praticamente uma contratação de algo que será impagável e a pessoa ficará sem assistência médica quando mais precisar.
A situação chega a ser cruel!
Mas, afinal, como funciona essa prática chamada de falso coletivo, quais os riscos reais para os contratantes e suas famílias, como solicitar a aplicação dos índices da ANS, e a possibilidade de receber de volta valores pagos a mais nos últimos três anos e como são as decisões judiciais e o que fazer para continuar com o plano de saúde?
O que é o plano de saúde falso coletivo? Com a escassez de planos individuais, muitas pessoas são orientadas por corretores ou terceiros a abrir um CNPJ (como MEI ou empresa de pequeno porte) apenas para ter acesso a um plano empresarial familiar. Na prática, essas empresas: não possuem atividade econômica real; não têm funcionários; e têm como beneficiários apenas familiares do titular.
Esse tipo de contrato é conhecido como falso coletivo — um plano empresarial apenas na formalidade, mas que funciona como plano familiar ou individual, sem os devidos direitos e proteções garantidas pela ANS.
Na prática, as vidas (beneficiários) de tais planos, são as pessoas da própria família, demonstrando que a contratação do contrato de adesão coletivo teve um único propósito, conseguir contratar um plano de saúde
Diferença entre plano individual, coletivo e falso coletivo
É importante entender, de forma resumida, a diferença entre as modalidades:
Planos Individuais/Familiares: Regulados pela ANS, com reajuste anual limitado por índice definido pela agência, que reflete em uma certa segurança financeira. Porém, é extremamente difícil encontrar empresas com a rede de assistência desejada que comercializam tal plano hoje em dia.
Planos Coletivos Empresariais: Contratados por empresas com vínculos reais de trabalho. Reajustes são definidos por critérios contratuais, como a sinistralidade (uso do plano pelos beneficiários), sem limite fixado pela ANS.
Falsos Coletivos: Contratos empresariais firmados apenas para permitir a adesão da família. Não são reconhecidos oficialmente como planos individuais, mas, na prática, funcionam dessa forma. Os problemas: são reajustados como coletivos (sinistralidade) sem controle da ANS, mesmo sendo usados apenas por familiares, ou seja, há um falseamento da realidade, mas, é a única forma de famílias terem plano de saúde.
Por que o reajuste por sinistralidade é prejudicial para o consumidor?
Apesar de ser uma prática comum, o reajuste por sinistralidade é prejudicial para o consumidor, especialmente nos casos de “falso coletivo”. E, a falta de transparência na atualização é o cerne principal do problema. Veja os principais motivos:
- Falta de transparência: Diferentemente dos planos individuais, nos quais a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) define um índice máximo de reajuste, os planos coletivos não possuem essa supervisão. Os critérios e fórmulas usados para calcular a sinistralidade não são divulgados com a transparência desejada e necessária, e o consumidor não consegue auditar ou entender a origem do aumento.
- Aumento abusivo: Para atrair novos clientes, as operadoras de saúde oferecem um valor inicial de mensalidade atrativo. No entanto, nos anos seguintes os reajustes baseados na sinistralidade podem ser astronômicos, superando o dobro do índice autorizado pela ANS. Isso acontece porque a sinistralidade é sombreada e imprevisível.
- Imprevisibilidade financeira: O consumidor perde totalmente o controle sobre o custo do plano de saúde. Como o reajuste depende do uso que a família faz do serviço, qualquer evento de saúde mais sério, como uma cirurgia ou um tratamento crônico, pode resultar em um aumento de 30%, 40% ou até mais no ano seguinte, tornando a mensalidade insustentável em pouco tempo. A situação é tão inusitada que, por exemplo, multa pelo não cumprimento de uma ordem judicial para fornecer um medicamento, por exemplo, pode ser considerado como despesas e, portanto, englobadas na sinistralidade.
- Cálculos matematicamente complexos: As operadoras se valem de análises e fórmulas complexas para justificar os reajustes. A maioria dos consumidores não tem o conhecimento técnico necessário para contestar esses cálculos, ficando à mercê dos valores impostos pela empresa, que muitas vezes também não fornecem os cálculos utilizados para apuração do índice de forma administrativa. Isso cria uma assimetria de poder e conhecimento que é extremamente prejudicial para quem está pagando o plano.
Em suma, a falta de critérios claros e a ausência de um órgão regulador que atue diretamente nos reajustes de sinistralidade transformam o que deveria ser uma simples correção anual em um reajuste abusivo e impraticável para a maioria das famílias.
Assim, ainda que exista decisão do STJ acatando a possibilidade da incidência do índice da ANS, sabe-se que o Brasil enfrenta absurda insegurança jurídica, e muitas vezes reflete em decisões totalmente opostas, inclusive para um mesmo plano, um mesmo período e uma mesma categoria, situação que pode estimular a continuidade pelas operadoras da incidência de valores elevados, até porque a quantidade dos usuários que reclamam na justiça são baixíssimos se confrontados com a quantidade de pessoas lesadas
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. PLANO DE SAÚDE. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA . JULGAMENTO CONTRÁRIO AOS INTERESSES DA PARTE. CONTRATO COLETIVO ATÍPICO. REAJUSTE COM BASE NA SINISTRALIDADE. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA . ADOÇÃO DOS ÍNDICES DA ANS. SÚMULA 83/STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1 . Não há que se falar em ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, uma vez que o acórdão recorrido adotou fundamentação suficiente decidindo integralmente a controvérsia. É indevido conjecturar-se a existência de omissão, obscuridade ou contradição no julgado apenas porque decidido em desconformidade com os interesses da parte . 2. Esta Corte Superior entende que “é possível, excepcionalmente, que o contrato de plano de saúde coletivo ou empresarial, que possua número diminuto de participantes, como no caso, por apresentar natureza de contrato coletivo atípico, seja tratado como plano individual ou familiar” ( AgInt no REsp 1.880.442/SP, Relator MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 6/5/2022) . 3. Agravo interno desprovido. (STJ – AgInt no AREsp: 2421628 SP 2023/0255469-2, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 20/11/2023, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/11/2023)
Apelação. Plano de saúde coletivo por adesão. Reajuste de mensalidade. Sinistralidade e VCMH . Necessidade de informação e transparência no contrato, evitando que a cláusula seja mecanismo de alteração unilateral e aleatório do conteúdo contratual. Precedentes. Ineficácia dos reajustes questionados no caso concreto, em razão da falta de demonstração de como obtidos os índices aplicados. Ônus da prova quanto à demonstração do aumento dos custos e da sinistralidade que incumbia à operadora . Exclusão dos reajustes questionados com aplicação analógica dos índices adotados pela ANS para contratos individuais e familiares. Precedentes da Câmara. Obrigação de restituição dos valores pagos a maior nos três anos anteriores ao ajuizamento, conforme orientação do STJ. Recurso desprovido . (TJ-SP – Apelação Cível: 11635418620238260100 São Paulo, Relator.: Enéas Costa Garcia, Data de Julgamento: 11/10/2024, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/10/2024)
Como contestar reajuste abusivo por sinistralidade?
Quem contratou um plano coletivo por adesão tem o direito de questionar os reajustes aplicados por sinistralidade. E, o passo a passo para isso é:
Solicitação administrativa: Solicitar administrativamente a apresentação de todos os cálculos que resultaram no índice que está sendo imposto e todo e qualquer outro tipo de esclarecimento sobre o percentual de correção aplicado. É fundamental anotar o protocolo e realizar o procedimento via canais de reclamações oficiais da operadora.
Reclamação à ANS: Registrar uma reclamação junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), relatando o caso e pedindo providências. A agência pode abrir investigação e notificar a operadora, principalmente se documentos não forem fornecidos.
Ação judicial: Caso não haja solução pelas vias administrativas, é possível ingressar com ação judicial para: Solicitar que os reajustes sejam limitados aos índices autorizados pela ANS e Pedir a devolução dos valores pagos a mais desde os últimos 36 meses anteriores à data da propositura da ação.
Decisões judiciais recentes que substituem o índice da sinistralidade pelo índice da ANS?
APELAÇÃO. Plano de saúde. Ação revisional de mensalidade e indenização por danos materiais. Sentença de improcedência na origem . Contrato coletivo empresarial com apenas quatro beneficiários. “Falso coletivo”. Equiparação ao contrato de plano de saúde individual/familiar. Previsão de reajustes por sinistralidade e VCMH que devem ser substituídos pelos índices de reajustes anuais autorizados pela ANS . Nulidade das cláusulas contratuais que autorizam o reajuste anual por sinistralidade e VCMH. Restituição dos valores pagos em excesso devida. Prazo prescricional trienal aplicável na repetição de indébito. Sentença reformada . Recurso da autora provido. (TJ-SP – Apelação Cível: 11220137220238260100 São Paulo, Relator.: Paulo Sergio Mangerona, Data de Julgamento: 08/01/2025, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma IV (Direito Privado 1), Data de Publicação: 08/01/2025)
APELAÇÃO – PLANO DE SAÚDE – Pretensão de afastamento de reajustes por sinistralidade/VCMH aplicados a contrato de plano de saúde – Sentença de procedência – Insurgência da operadora de saúde – Rejeição da preliminar arguida pela autora em contrarrazões – Mérito – Contrato coletivo empresarial com apenas 04 beneficiários, todos integrantes do mesmo núcleo familiar – Caracterização de “falso coletivo” – Incidência das normas aplicáveis aos planos individuais e familiares – Ainda que assim não fosse, trata-se de contrato com menos de 30 beneficiários – Aplicabilidade da RN nº 565/22/ANS – Não demonstrada a origem dos reajustes aplicados e a sua razoabilidade – Aplicação dos índices divulgados pela ANS aos reajustes impugnados – Precedentes – Reconhecimento da necessidade de restituição dos valores pagos a maior, observada a prescrição trienal – Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (TJ-SP – Apelação Cível: 10208944420238260011 São Paulo, Relator.: Alexandre Coelho, Data de Julgamento: 27/09/2024, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma I (Direito Privado 1), Data de Publicação: 27/09/2024)
PLANO DE SAÚDE. FALSO COLETIVO. Reajustes por sinistralidade e variação dos custos médico-hospitalares (VCMH). Plano coletivo empresarial não sujeito em tese aos índices previstos pela ANS . Plano da autora, contudo, que se qualifica como “falso coletivo”, pois cobre apenas núcleo familiar de quatro vidas. Contratação de plano nitidamente individual – pelo seu escopo e função econômica – como plano coletivo tem a finalidade de tangenciar e fugir do controle de normas cogentes. Aplicação do Código de Defesa Consumidor. Reajustes limitados aos índices da ANS . Pretensão restitutória corretamente acolhida. Ação procedente. Sentença mantida. Recurso improvido . (TJ-SP – AC: 10162072520208260562 SP 1016207-25.2020.8.26 .0562, Relator.: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 09/11/2021, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/11/2021)
O Risco oculto pouco divulgado
O risco real para os contratantes e suas famílias – Problema social concreto
Esse é um dos aspectos mais críticos e menos debatidos: o impacto social e de saúde pública causado pela prática dos falsos coletivos.
Quando o plano se torna impagável
Após alguns anos de contrato, a combinação entre uso do plano e reajustes por sinistralidade torna a mensalidade insustentável. Muitas famílias começam pagando R$ 800 e, em poucos anos, estão diante de boletos de R$ 2.500 ou mais — um aumento que não acompanha a renda da maioria dos brasileiros. Nesse cenário, o contratante:
- Não consegue pagar o plano atual;
- Não pode fazer portabilidade;
- Não consegue aderir a outro plano, seja por idade avançada, doenças preexistentes ou recusa da operadora.
O resultado: milhares de pessoas acabam sem cobertura de saúde, mesmo após anos pagando valores elevados.
O SUS como única saída — e a sobrecarga silenciosa. Sem plano privado, resta ao consumidor recorrer ao SUS (Sistema Único de Saúde). Isso gera:
- Frustração e insegurança, especialmente para idosos e pacientes crônicos;
- Aumento da demanda nos hospitais públicos;
- Impacto direto no sistema de saúde pública, sem que haja qualquer política de transição ou compensação.
Reflexão: estamos criando uma crise social silenciosa > Esse modelo de contrato, incentivado por brechas legais e pela falta de regulação adequada, empurra milhares de famílias todos os anos para fora do sistema privado de saúde, em um momento de maior vulnerabilidade.
Já, os que continuam pagando os reajustes, em alguns casos abusivos, ainda assim em alguns casos também precisam recorrer à Justiça para obter medicamentos, exames ou internações — mesmo após pagarem mensalidades altíssimas.
Infelizmente, como tantas outras relações entre o cidadão comum e os grandes grupos econômicos, infelizmente, a coletividade não encontra na Lei e no Judiciário a certeza de que abusos serão inibidos como esperado. Lamentavelmente, parece que ainda é mais vantajoso agir de forma, no mínimo questionável, e deixar para o judiciário julgar, do que ter uma política mais equilibrada.
Tal desequilíbrio, como ocorre em tantas outras relações da sociedade quando há conflitos entre o cidadão x grandes grupos, demonstra que ainda temos, e precisamos, evoluir muito como Sociedade, para proporcionar o lucro e ao mesmo tempo o pagamento do justo, atualmente o lucro está refletindo em prejuízos imensuráveis aos cidadãos, sendo certo o desequilíbrio.
É urgente que a sociedade, os órgãos reguladores e o legislador brasileiro façam uma reflexão profunda sobre o modelo atual. Não se trata apenas de um problema contratual, mas de um problema estrutural que compromete o direito à saúde e à dignidade.
Perguntas Frequentes
1. É legal abrir empresa só para contratar plano de saúde familiar? A prática em si não é ilegal, mas pode gerar consequências sérias, principalmente se o plano for reajustado como empresarial mesmo sendo utilizado como familiar. É aconselhável ao consumidor inclusive guardar contatos que condicionam a contratação do plano à apresentação de um CNPJ.
2. O que é sinistralidade e como isso afeta o reajuste? Sinistralidade é a relação entre o que a operadora gastou com os beneficiários e o valor arrecadado em mensalidades. Quanto maior o uso do plano, maior será o reajuste.
3. Posso pedir que o plano siga os índices da ANS? Sim. Se for comprovado que o contrato é um falso coletivo, é possível solicitar que o reajuste siga os índices de planos individuais, definidos pela ANS.
4. É possível receber de volta os valores pagos a mais? Sim. A Justiça pode determinar a devolução dos valores pagos a mais nos últimos 36 meses, com correção monetária.
5. O SUS pode ser a única alternativa? Infelizmente sim. Quando o plano privado se torna inviável e não há portabilidade, a única opção acaba sendo o SUS — o que amplia a sobrecarga do sistema público de saúde.
Conclusão
A prática de abrir uma empresa apenas para contratar um plano de saúde para a família, ainda que comum, pode trazer consequências financeiras e jurídicas graves. Os reajustes por sinistralidade tornam os contratos imprevisíveis e impagáveis, colocando em risco a continuidade da cobertura justamente nos momentos mais críticos da vida.
É possível, no entanto, buscar a aplicação dos índices da ANS, questionar judicialmente os contratos e solicitar a devolução dos valores pagos indevidamente.
Mais do que isso, é hora de a sociedade refletir sobre o modelo atual, que vem empurrando famílias para a insegurança e sobrecarregando o SUS de forma silenciosa.
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Por Alexandre Berthe Pinto
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